O Humor do Chico - Estórias do Chico Esperto para o amigo Z3D
01 - VIAGEM À GALIZA
A tua história de uma viagem ao reino dos Algarves, passando por
Sevilha e Córdoba, e perdendo-te (de amores) pelo Alentejo, fez-me recordar uma
parecida (ou quase) que me aconteceu há…deixa cá ver…uns trinta anos. Foi
assim. Não sei se sabes, mas eu tinha a mania do campismo (ainda hoje tenho
parte do material), assim resolvi ir fazer uma viagem por esse país fora, até à
Galiza. Convidei o Zé António (que nunca na vida acampara) e para o convencer,
comprei uma Andre Jamet para ele e a mulher dormirem. A Paula (a filha),
era muito amiga das minhas filhas, e dormiam todas numa outra canadiana de 4
lugares. Claro que para elas aquilo era um regabofe, só que quem se lixava era
eu, que tinha que montar e desmontar 3 canadianas, já que o Zé António não
percebia puto daquilo, e mais valia estar quieto, para não provocar confusão.
Mas foi giro, e a malta divertiu-se. Ora então, foi assim. Saímos daqui na
direção do Porto, e acampámos no parque da Prelada. De manhã ainda cedo
começámos a ouvir algazarra, e então o que era? Era um gajo lá do Norte, que
com a sua pronúncia bem caraterística berrava para as filhas e para a mulher:
bamos lá a lebantar, ca*****, à noite não há pressa de deitar, mas de manhã
para se lebantarem, é o car****. E seguia a música. Eu na minha tenda ria que
nem um perdido, mas a minha mulher é que não achava muita graça, aquilo que ela
chamava de ordinarice. Bem lhe explicava eu que no Norte, aquilo era uma forma
normal de se falar, mas pois sim, que as miúdas isto, as miúdas aquilo. Tenho a
certeza que se elas ouviram, estavam tão perdidas de riso, quanto eu. Seguimos
depois para Viana do Castelo, Caminha, etc. Abreviando, entrámos na Galiza, e
fomos montar o material em Santiago de Compostela. Passados um ou dois dias, seguimos
para a zona das praias, e aqui começa a tal história.
Procurámos um parque e, está quieto. Todos com lotação esgotada, e a noite
a aproximar-se. E chegou a noite. Então e agora onde vamos dormir? E eu com o
meu espírito de escuteiro desenrascado, disse logo; não há problema, fazemos
campismo selvagem. As mulheres à rasca, o Zé António que nunca se vira nestes
assados e é um cagarolas do caraças, a tremer de medo, e as miúdas claro
que divertidíssimas com a aventura. Bom, lá fomos até às matas circundantes,
para arranjar um espaçozito para nós. Qual quê, tudo cheiinho, que aquela gente
ou não tinha lugar nos parques, ou não estava para pagar. Solução? A noite
caíra, eram prá aí 11 horas, e eu disse, isto não há conversas, montam-se as
tendas aqui neste caminho, há outro caminho aqui ao lado, se vier alguém que vá
por lá. Mais uma vez tudo à rasca, ai, e se de noite vem alguém com o carro e
vem contra as tendas, e porque torna e porque deixa. Não há azar, Zé António,
atravessa o teu carro ali naquela, ponta, eu atravesso o meu aqui nesta,
montam-se duas tendas entre os carros, a Paulinha dorme com vocês, as nossas
dormem connosco. Sempre quero ver, quem vem contra os carros.
Não queiras saber os impropérios dos gajos que durante a noite, vinham para
passar por ali, viam dois carros de matrícula portuguesa a tapar-lhe o caminho,
e tinham de voltar de cú, para meterem pelo outro caminho. Escusado será dizer,
que de manhã cedo, quase madrugada, arrumámos tudo silenciosamente e
regressámos ao parque de Santiago, antes que nos linchassem. E foi a partir
desse parque que passámos a fazer as nossas visitas galaicas. Chiça, que para
experiencia já chegara.
02 - AVENTURA NOS PIRINEUS
Em 1982, digo eu para a mulher e filhas, vamos por aí fora até Barcelona,
Andorra, etc. Ou é este ano (eu tinha 44 anos, e o meu velho burro de carga –
um Cortina 1300 tinha só (?) 16 - mas dizia eu, ou é este ano, ou é nunca, que
a idade já vai pesando. Assim, começámos a planear a viagem, preparámos tudo
para partirmos manhã cedo e… pimba, aparece um espetáculo no Algarve. Bom, lá
fomos fazer o espetáculo, e chegado a casa pelas 6 da matina, já com 600 km nos
costados e uma noite em claro, toca a carregar o burro e toca a andar que se
faz tarde. Penso que acampámos no parque El Greco, ali em Toledo, onde chegámos
já perto das 3 ou 4 da tarde, eu todo roto, foi só montar as duas tendas,
encher os colchões, e atirar-me lá pra dentro. Nem jantei. Dormi que nem uma
pedra. Ao outro dia, já recuperado, foi a altura de dar uma volta pelo parque,
que era muito giro, com um rio e amendoeiras (amêndoas deliciosas, que caíam
para o chão e ninguém apanhava) e um bom restaurante, que até não era caro.
Fomos visitar a cidade, e por lá ficámos mais uma noite e um dia, que a cidade
era muito gira. Depois lá arrancámos até Zaragoza, e ao outro dia partida para
Barcelona, onde permanecemos 3 dias, num parque de luxo (não te rias, era assim
que o parque esta classificado) próximo do aeroporto, com 3 piscinas
fantásticas, um ótimo restaurante e o local onde se montavam as tendas, com o
chão todo relvado e tetos de colmo para tapar os raios de sol. Tinha no entanto
dois contras, próximo do aeroporto, portanto já estás a ver o barulho dos
aviões a sobrevoar-nos constantemente, e nuvens de melgas, que obrigava todos
os fins de tarde à desinfestação com gás (que tinha um cheiro horroroso), por
intermédio de tratores que percorriam todo o parque, com o barulho que podes
imaginar. Eu já estava farto daquilo, já tinha visitado a cidade, o porto, a
catedral, Montjuich, o parque de Tibidao, o caraças. Queria era ir para
Andorra, mas convencer as miúdas a largarem aquelas belas piscinas?
Bom, mas chegou o dia que eu disse: - acabou, amanhã vamos embora. E assim
foi. Chegado o dia, lá fomos para Andorra, ficámos num parque com um belo rio,
e eu fiquei encantado com a cidadezinha. Quem é que me convencia a sair de lá?
Acampámos pois junto ao rio Valira, que atravessava o parque que nós tínhamos
escolhido para poiso, e ali nos fomos deixando ficar. Eu a retardar a partida,
pois sentia-me bem naquela pequena cidade de Andorra a Velha, e as mulheres a
fazerem pressão para irmos embora. Até que uma súbita mudança de tempo,
acelerou a partida. Os Pireneus são terríveis, e quando toca a mau tempo…
O tempo mudou, e começa a cair uma chuva que não sei se te diga, se te
conte. Trovões e relâmpagos por todo o lado, e as raparigas enfiadas na nossa
tenda cheias de medo. Bom, digo eu, de manhã vamos embora, que isto já deu o
que tinha a dar, vamos para Lourdes. Uma noite pavorosa, (eu prudentemente,
tinha aberto valas à volta da tenda, com o escoadouro para o rio, e assim a
forte chuvada que caia não entrava na tenda).
De manhã cedo levanto-me e começo a arrumar as coisas para nos pôr-mos a
andar. Vejo então naquele ainda lusco-fusco, um vulto que se aproxima de mim,
de gabardine, encharcado até à medula dos ossos. Era um sacana de um árabe que
me pergunta num francês macarrónico: - vocês vão partir? Sim vamos, isto aqui
está muito mau. Diz-me ele então; - eu estou aqui todo encharcado, porque
estive a pé toda a noite. Estava com medo que o rio engrossasse com a chuva que
caiu e correu pelos montes abaixo. Por mim não tinha problema, porque estou
aqui nesta parte mais alta, mas a minha filha e o meu genro estão nessa tenda
ao lado da tua, e eu tive medo que o rio os levasse. Então e agora para onde
vais?
A minha resposta deixou-o perplexo e preocupado com a minha segurança:- eu
vou fazer os Pireneus na direção de Lourdes.
Ah, não faças isso, é muito perigoso fazer os Pireneus com este tempo, vai
para Barcelona, por amor de Deus, não faças essa loucura.
Ah isso é que eu não vou, de Barcelona vim eu e quero seguir viagem. E lá
fui, deixando o pobre homem, extremamente preocupado connosco.
Começámos a fazer a montanha, chuva e vento de respeito, o material
completamente encharcado, visão reduzida, e sitio para comer é mentira. Bom,
avisto um estabelecimento à beira da estrada, e lá fui eu ver se arranjava
farnel. Era uma loja que vendia material campista, com reduções de 50 por
cento, e onde eu comprei uma tenda de quatro lugares, já que o nosso material,
estava incapaz de ser montado. E lá seguimos, cheiinhos de fome, até que vi uma
espécie de mercearia, onde comprei leite, pão e uma porra de um queijo, que era
de todo intragável. Lá fomos trepando, e de repente a tempestade desaparece, o
sol rompe em força e a boa disposição regressa.
Encontrámos por fim um parque de campismo, que tinha um cartaz à porta
anunciando o menu (em francês), que até era em conta. Entrámos, e tinha umas
excelentes instalações, mesas e bancos de madeira corridos, boa comidinha, uma
pinga que era fraquinha (parecia refresco) e umas sobremesas muito boas. Não
havia muita margem de escolha, mas a simpatia da senhora que nos acolheu, e que
fez tudo o que estava ao seu alcance para bem servir, e claro a fome com que
nós estávamos, tornaram o fraco repasto num lauto banquete. Ah, as casas de
banho, eram de uma limpeza irrepreensível, com grandes espelhos nas paredes, e
que nos deixaram de boca aberto. Nunca tal tínhamos visto em parques de
campismo.
Terminado o almoço, já repousados e de barriguinha cheia, lavadinhos e
(des)mijadinhos, toca a seguir viagem. Chegámos pelo fim da tarde a
Lourdes, e eu entrei logo no primeiro parque que encontrei, não quis
arriscar-me a ter de montar as tendas já de noite. Além disso, não conhecia os
parques existentes na região e queria pôr o material encharcado a secar.
Era um pequeno parque familiar, cuja dona era simpatiquíssima, e que foi
pessoalmente indicar-nos onde nos podíamos instalar.
Montei a tenda que tinha acabado de comprar, e esticando uma corda entre
duas árvores, pendurei as tendas e as nossas roupas encharcadas, para as secar.
Parecia a “aldeia da roupa branca”. Não queiras saber os olhares espantados e
as risadas divertidas, dos outros utentes do parque. O que terão eles
imaginado, vá-se lá saber.
Por ali ficámos dois dias, visitámos o Santuário e apreciámos a forma
engenhosa dos franceses fazerem dinheiro, ao venderem toda a espécie de
souvenirs religiosos ou não, aos milhares de turistas que visitam a sua Fátima
em ponto grande.
Chegou a hora da partida, tendas e roupas felizmente secas e arrumadas,
e…andor direitinhos a Biarritz. Azar do caraças chovia que Deus dava água, e eu
já maldizia a minha sorte, sem saber o que ainda estava para acontecer. Porra
que era demais, em pleno Agosto, chuva em Barcelona, chuva em Andorra, chuva em
Biarritz, o que mais iria acontecer? Vamos embora que não estamos aqui a fazer
nada, direitinhos a San Sebastian. Pois, só que os filhos da puta dos bascos ou
catalães ou Euskadys, ou uma coisa que eu cá sei, com a mania dos
nacionalismos, tinham apagado com sprays, os nomes em castelhano nas placas de
orientação, e escrito com os mesmos sprays os nomes em basco. Assim, quando procurávamos
seguir o mapa, se durante o percurso a estrada se dividisse em duas, ficávamos
sem saber qual delas tomar. Aconteceu uma ou duas vezes, termos de voltar atrás
e apanhar a outra estrada. E como se não bastasse, chuva ininterrupta, estradas
de montanha que eram autênticas veredas com precipícios por todo o lado, e a
noite a aproximar-se. Lá chegámos a San Sebastian, contentes por já nos
termos safo daquela louca aventura da montanha, mas furiosos com a merda do
tempo. Para ajudar à festa, o parque ficava no alto do monte, curvas e curvas,
parecia estarmos a subir para o céu, já que nunca mais chegávamos ao fim, e a
chuva continuava. Lá chegámos por fim, já noite cerrada, procurámos um lugar
para acampar, mas tudo cheio. Conseguimos a muito custo, montar uma tenda, à meia-nau,
num declive, com as cabeças para cima e os pés a descaírem, estás a ver a cena
não estás? E a chuva a cair toda a noite.
De manhã, eu já estava farto daquilo tudo, e resolvi:- acabou-se esta porra
do campismo, já estou farto, toca a andar para Portugal.
Zumba direitinhos Portugal, só que ainda eram muitos quilómetros, e eu
resolvi ir dormir a Salamanca. Bendita a hora, um sol esplendoroso, que nos
aquecia o corpinho e a alma. Ali ficámos aquela noite e o dia seguinte, em que
aproveitámos para visitar a cidade que é muito bonita. Depois foi o regresso a
Portugal e mais uma novidade; ao notar um ruido estranho no carro, levei-o à
oficina. Diz-me o mecânico, você nem sabe a sorte que teve, tem um amortecedor
a sair do apoio. Quando eu me lembrei daquelas estradas de montanha, que tinha
acabado de percorrer, até tive suores frios.
Claro que a família nunca soube de nada. Mas veio a saber pela televisão,
de uma tragédia que tinha acontecido no tal parque em Andorra, dois ou três
dias depois de lá termos estado. Tinha havido um temporal de tal ordem, que as
águas em catadupa pela montanha abaixo, engrossaram o rio que atravessava o
parque, motivando uma série de vítimas, além de caravanas e tendas
completamente destruídas.
ALGUÉM esteve a proteger-nos todo esse tempo.
Fim feliz desta história, talvez te venha a contar outras. Dorme bem
03 - O MARTELO VOADOR
O teu amigo Quim Beduíno é um bom sacana. Que pena ele não ter
tratado do papel higiénico das “madames”, devia ter sido um gozo do caraças ver
as gajas a gritarem desalmadamente “hilf mir, rufen Sie die Feuerwehr, ist
meine Muschi brennt!” Muito gostava eu de o conhecer, se ele vier a
Portugal pode ser que se proporcione.
A propósito das partidas do teu amigo, vieram-me à memória algumas das que
eu próprio pregava aos meus amigos, e não só.
Trabalhei durante 12 anos como serralheiro mecânico (mais propriamente 10,
já que compreende o período militar que foram 2 anos), portanto dos 14 aos 26
lá estive na “ferrugem”. Não me arrependo nada, tive grandes amigos, excelentes
colegas como nunca mais encontrei em lado algum, sempre prontos a desenrascar
alguém que estivesse “à rasca”. Hoje és tu, amanhã poderei serei eu, era o
espirito daqueles jovens que tal como eu, davam os primeiros passos na vida
adulta. Nunca mais encontrei malta como aquela. Bastava um dizer mata, que os
outros logo acrescentavam, esfola.
No entretanto ia acabando o meu curso industrial à noite, até que… se
intrometeram as gaitas, o Trio Harmonia, os espetáculos, e o curso ficou por
terminar. Hélas.
Duas ou três “petites histoires”. Havia um sacana de um velho (não te
esqueças que éramos praticamente uns miúdos), que me lixava a paciência (eu era
aprendiz e ele já um oficial) mandando-me fazer as tarefas mais porcas que
havia para fazer: - não tens nada que fazer? Agarra nesse desperdício e nessa
lata de petróleo (ou gasóleo), e vai limpar aquela máquina. Mas, retorquia eu:
- não fui eu que a sujei, quem lá esteve a trabalhar é que tem obrigação de a
limpar. Se eu te estou a dizer para a ires limpar, vais e mais nada, dizia-me o
grande cabrão.
E lá ia eu todo lixado fazer o que o gajo mandava, mas a ruminar a
minha vingança.
Esses serralheiros da velha guarda, eram na sua maioria uns toscos, que
como serralheiros não valiam um peido. Eram aquilo que nós apelidávamos de
serralheiros de martelo. Andavam sempre com um martelo na mão, e era isso que
eles usavam, em vez de usar a cabeça. Eram do género; não entra? Ai entra,
foste feito para entrar. E pumba, pumba, pumba, martelo ou marreta para a
frente, até que entrava mesmo (quando seria muito mais fácil, desbastar um
pouco do objeto, que se pretendia introduzir no sitio). Se não saía; ai sais,
sais, não nasceste cá. E pimba, pimba, pimba, até que saía mesmo, (quando seria
muito mais fácil dar calor e retirar o que tinha de ser retirado). Isto só para
te dar uma ideia daqueles serralheiros da treta. É claro que uma ideia luminosa
surgiu no meu maquiavélico cérebro. Deixa estar filho da puta que as vais
pagar. Desbastei uma folha de serrote para ferro, de forma a praticamente
retirar todo travo da folha. Depois, numa altura em que o gajo foi à cagadeira,
serrei um pouco o cabo do martelo, mesmo junto à cabeça do dito e disfarcei o
corte com massa consistente e um pouco da serradura que saíra do cabo, e
pirei-me dali para bem longe, para que pudesse gozar o pratinho. Por fim lá
veio o bode velho, e como de costume lá foi fazer o que sabia fazer melhor:
martelar. Tumba, tumba, tumba, e eu à espreita, até que por fim… lá foi a
cabeça do martelo a voar pela oficina fora, e o velho muito aparvalhado a olhar
para o cabo que tinha na mão. Vingança concretizada. Gostaste? Tenho muitas.
Amanhã se estiver bem-disposto conto-te mais. Gostaste do final da minha viagem
a Lourdes? Olha que eu gostei muito mais, podes ter a certeza.
04 - A SANDES DE DOCE DE TOMATE
Olha, se isto continuar assim, vais ter de me pagar umas cuecas,
estas já estão todas mijadas, e não sei mesmo se… não, pelo menos não
cheira, desta estou safo. O teu amigo Tatá, é realmente um bom sacana (no termo
carinhoso da palavra), com uma imaginação prodigiosa, um sentido de humor
incrível, e um savoir-faire de muitos e muitos anos de prática “malandreira”.
Tenho mesmo de o conhecer, e se não for em Portugal, será na Suíça. Vamos por
aí fora fazer-lhe uma visita? Aqueles olhinhos de raposa matreira…
Um autocarro cheio de crianças de uma escola de Peniche, os adultos a dizerem
que o Sr. ministro tem de ser informado, porra, que imaginação prodigiosa, e
pensava eu que era um bom malandro. Ao pé dele sou um cordeirinho pronto para a
degola. Se ouvisses as gargalhadas da minha cara-metade. Olha, depois disto,
nem sei se me apetece contar-te alguma das minhas malandrices. Pronto, está
bem, já que tanto insistes vai uma pequenina.
Quando trabalhava no Alfredo Alves, tomava o pequeno-almoço muito cedo, aí
um quarto para as sete, escusado será dizer, que às dez horas estava com uma
fome do caraças. Por isso eu levava a “bucha”, uma carcaça com doce de tomate
que a minha mãe fazia, e me preparava. Enfiava a bucha na gaveta do armário, e
às dez horas “emalava-a”. Ora um dia chego à gaveta, e a bucha tinha-se
eclipsado. Olá, quem terá sido o filho da puta que me gamou a bucha? Olho em
volta sorrateiramente, para não dar parte de fraco, e nada. Ninguém na cena do
crime. Ok. Penso eu, o rato que veio cá, vai voltar um dia destes. Comecei a
deixar a bucha no bolso, até ao dia em que resolvi ser hora de castigar o
gamelas. Nesse dia, pedi à minha mãe para me mandar o pão com pouco doce. O
motivo que invoquei já não me lembro, mas ela assim fez. Então, na cagadeira,
preparei o petisco para o rato. Não, não é o que estás a pensar, que isso tinha
cheiro - meti dentro da carcaça uma boa dose de massa consistente
vermelha (sabes o que é? aquela massa lubrificante?) e, é claro, pelos lados
saía o belo doce de tomate. Meti o embrulho da carcacinha na gaveta, como se
estivesse esquecido do que se passara, e fui-me embora do local, dizendo à
malta que estava por ali, que tinha de ir fazer um trabalho num outro lugar,
bastante afastado dali. E assim foi, agarrei na ferramenta e pus-me a andar.
Quem comeu pão com massa consistente? Não sei, que eu não estava lá para ver.
Sei que quando voltei, e fiz que ia comer a bucha, ela desaparecera.
Alguém tinha comido doce de tomate, com um sabor esquisito. A partir desse
dia, a gaveta não voltou a ser assaltada.
05 - OS SAPATOS DO ZÉ
Como tu sabes (podes é não te lembrar), às segundas e quintas eu
tenho cá os gaitinhas. O primeiro a chegar (aliás como sempre) foi o nosso
amigo Zé António. Logo a seguir chegou o Zé Peralta (agora já percebes porque
eu te subtraí o Z – precisava dele para estes dois, têm que se poupar) e diz
com toda a calma: - eh pá, tinha lá estes sapatos guardados desde o ano
passado, são uns sapatos porreiros, vulcanizados, ótimos para este tempo. Eu
olho e digo: - parecem bons e confortáveis (o nosso amigo Peralta calça 42
biqueira larga, até porque tem o pé chato). E diz-me ele:- mas grande gaita, já
perdi um salto. E eu: - não faz mal, vais ao sapateiro e ele põe-te uns saltos.
Não sei se vale a pena, se calhar é o preço de uns sapatos, diz ele.
Entretanto, olha para os sapatos e diz: - olha, afinal perdi os dois. E eu,
olha que grande porra, mas que merda de sapatos são esses? Sei lá, acho que são
Campor. Entretanto, o ensaio chega ao fim, o homem levanta-se e constata: - eh
pá, os sapatos estão a desfazer-se. O quê? É verdade, a carpete está cheia de
bocados de borracha deteriorada, grandes e pequenos bocados de borracha tinham
abandonado os calcantes do Zé. Viam-se os peúgos a aparecer por baixo e
praticamente a sola desaparecera. Diz o Zé António;- eh pá não tens uns sapatos
que lhe emprestes? Tenho, respondo eu, só que lhe servem nas orelhas (eu calço
41). Bom, penso que não lhe restou senão ir de táxi para casa, enquanto eu
ficava a varrer a sala e a escada, que tinham bocados de sapato espalhados por
todo o lado.
06 - AS TAIROCAS DO CHICO
Vá lá uma historiazinha do Gildo (confessa que já andavas com
saudades). Ainda no tempo do Alfredo Alves, e da muita malandragem que por lá
havia.
Na altura, ainda não existiam estes chinelos de borracha, agora tão
populares. Assim, para tomarmos o nosso banhinho de fim do dia, havia que
arranjar/improvisar uns chinelos. Cada qual desenrascava-se, e o Chico que era
um rapaz habilidoso, fez umas belíssimas socas em madeira (uns bocados de
tábua, arranjados na carpintaria, moldados ao pé e com um bocado de correia,
onde se enfiava o pé) que com o uso foram ficando polidinhas e muito porreiras.
Ora um dia as socas voaram do armário. Como não tinham asas, o Chico viu logo
que já tinha sido lixado. Bom, lá teve que se desenrascar, mas sempre com uma
saudade imensa das belas e polidas socas. Claro, sempre de olhinho atento, a
ver se as vislumbrava nos pés do meliante que as gamara. Até que as avistou nos
pés de um filho da puta, com um “cabedal” do caraças, e o Chico que não é
cagarolas, mas também não é parvo pensou: se vais dizer ao gajo que as
chinelas são tuas, levas com uma nos cornos e o gajo ainda se fica a rir. Ná,
temos que pensar noutra ação. Ainda pensei em reavê-las pelo mesmo processo
como ele as obtivera, mas, tive medo que ele viesse dizer que eram dele, e lá
estava eu a quinar. F***se que eu não era parvo. Então…vingança. Um dia
deixei-me ficar na casa de banho quando tocou para a saída, depois foi só ir ao
armário do gajo, com uma gazua abrir-lhe o cadeado, e com um serrote serrar as
tairocas ao meio, deixando ficar prá aí um milímetro de madeira, no sítio de
assentar o pé. Depois, foi pregar a parte da frente das ditas chinelas ao fundo
do armário, que era também em madeira, fechar a porta e o aloquete, e esperar
pelo outro dia para gozar o pratinho. Ao outro dia, quando a sirene tocou, o
animal vai direitinho às socas, puxa por elas e elas não saem. Puxa com toda a
força, e fica com as partes detrás delas nas mãos. Se visses a cara de parvo do
gajo. Vingança consumada.
07 - O URINOL DO ZÉ PERALTA
Tenho que dar umas voltas pelas minhas “souvenirs”, a ver se descubro mais
algumas historietas que te possam divertir. Espera lá, lembrei-me agora de uma
passada com o nosso amigo Zé Peralta em Strasbourg 1963. Deixa-me alinhar as ideias…
Nesse ano, nós fomos participar no campeonato das gaitas que decorria nessa
região. Uma tarde, andava eu e o Zé a passear pela cidade, quando ele lhe deu
vontade de fazer uma mijinha. Avistámos um daqueles urinóis públicos, como os
que ainda se encontram nalguns sítios por cá, e no exterior do
“estabelecimento”, sentados no banco de pedra, que rodeava o urinol, um bando
de velhotes, gozava o agradável solzinho que se fazia sentir. Entrámos, fizemos
a mijinha, e o bom do Zé Peralta, sem saber que a descarga do autoclismo, era
automática, pergunta-me assim:- eh pá, onde é que se puxa a água? E eu, mula:-
sei lá, se calhar é nesse cordão aí pendurado. O gajo vai, puxa o cordão com
toda a força e… o cordão servia para abrir e fechar uma janela, daquelas chamadas
janelas de bandeira, que através de um engenhoso sistema de molas são acionadas
pelo dito cordão. Claro que aquilo tem que ser controlado com a tensão no dito
cujo. Ora com o puxão que ele deu, tá-se mesmo a ver o que sucedeu, as
molas atiram aquela porra com toda a força contra o batente, um estrondo que
parecia um trovão, e sai uma velha a gritar que nem uma desalmada, de dentro de
um cubículo lá existente, e quase a dar porrada no nosso Zé da gaita, com uma
vassoura daquelas de piaçaba. Eu a rir-me que nem um perdido, ele sem perceber
patavina do que a velha lhe dizia, e claro que, como não sabia francês,
desculpava-se como podia em português, que por sua vez, a velha também não
entendia. Era uma cena digna de uma comédia. Só me lembra do Zé a dizer para a
velha, muito à rasca: - oh minha senhora desculpe, eu não sabia, julgava que
aquilo era o autoclismo. E a velha “”**”#$%*#, (claro que isto era o que
o Zé percebia do que a velha estava a gritar). Quando o gajo se apercebeu que a
velha (que continuava a berrar), não entendia nada do que ele estava a dizer,
passou-se e rematou: - olhe minha senhora, vá pro c******. E saiu porta fora.
Cá fora, os velhos todos levantadinhos do banco, espantados e assustados com o
cagaço que tinham acabado de apanhar, sem entender nada da cena, veem dois
maluquinhos a sair do “pissoir” rindo-se que nem uns perdidos, e a falar uma
língua estranha, e uma megera à porta, a gritar toda a espécie de impropérios.
Espero que tenhas dado uma boa gargalhada a imaginar a cena.
08 - WERELDKAMPIOENEN
Hoje, a exemplo do que fizeste anteriormente, apresento-te um filme. Mas
enquanto tu apresentaste uma longa-metragem, eu envio-te uma curta.
Título: Wereldkampionen vais para o armário
Subtítulo: O Trio Harmonia no Campeonato do mundo
Ano de produção: MCMLXXV
Localização: Ypres, Bélgica
Intérpretes: Zé António (o maluco) e RM (o marreco)
Argumento, realização, produção e distribuição: Chico Esperto
O filme começa com um close-up, sobre uma mesa de um qualquer
restaurante. Quatro personagens sentados a essa mesma mesa. O maluco, o
marreco, o Chico esperto e um quarto personagem de identidade desconhecida,
falando em inglês (ou francês, tanto faz). Inicio da ação: o marreco e o
desconhecido falam sobre o campeonato que se irá disputar no dia seguinte, em
inglês (ou francês, tanto faz). O maluco que é um cagado (não confundir com
cágado) com a mania que é gozão, interrompe frequentemente o marreco
corrigindo-o em ar de gozo: - isso não se diz assim, diz-se assado. O marreco
adverte-o à boca fechada, que já chega de interrupções e correções. O
desconhecido assiste a tudo, sem compreender muito bem o que se está a passar.
O maluco continua com o gozo. O marreco levanta-se intempestivamente da mesa e
diz:- vou-me embora, para não te espetar com o prato da sopa pelos cornos
abaixo. Sai disparado, abre uma porta, e…entra pelo armário em que estão
guardados os pratos, talheres etc.
Wereldkampionen (campeão mundial em flamengo) vais para o armário. Título
inventado por um dos atores – o maluco.
THE END
09 - O MARRECO
Num serão para trabalhadores na Voz do Operário, estavam a assistir
ao espetáculo a mulher do marreco, e a minha falecida mulher. Nós entramos em
cena, puxamos das gaitas e cá vai disto. Nisto, na fila detrás delas ouve-se o
seguinte comentário:- da música do marreco gosto, mas os outros só fazem pópó e
tchim tchim. E a mulher do marreco toda abespinhada, diz para a minha, em voz perfeitamente
audível: - marreco era a puta que o pariu!
Claro que a minha mulher disfarçou o riso, mas à noite em nossa casa, foi
uma risota pegada.
10 - O NADADOR SALVADOR
Mais outra, esta com o cágado sem assento, que dá pelo nome de maluco. O
gajo tem pavor da água, e quando íamos à praia, era um caso sério para o
convencer a entrar. Assim, ele respirava fundo várias vezes, enchia os pulmões
de ar, fazia os gestos de nadar de bruços, tomava balanço para mergulhar,
hesitava, tornava a tomar balanço…mas tudo em seco. Por fim muito a medo, lá
mergulhava na água que lhe dava pelos tornozelos. Estou a exagerar? Se calhar
estou, não sei se lhe dava pelos tornozelos.
Ora um dia nós fomos com as famílias até à praia, penso que Santo Amaro, e
as miúdas vá de nadarem para fora de pé. O Zé António, começa a entrar em
pânico, e vai de gritar para a filha: -oh Paula sai daí, vem para aqui onde há
pé. E a Paula, que até nadava bem, não lhe liga nenhuma. Grita então o enervado
pai, que nadava como um prego, daqueles de meia galeota: - Oh Paula, vem já
pra’qui. Filha da puta que se te afogares, eu não te vou lá buscar! Estás a
ouvir a minha gargalhada, não estás? Até logo.
12 - O ALBINO E O ISASCAS
Em 1971, o nosso Trio deslocou-se a Torremolinos, para
participar na Gala Hispano-Portuguesa. A bordo do avião, integrando a comitiva,
ia o ballet de Fernando Lima – o Verde-gaio. Dos bailarinos, faziam parte uns
larilas, que vá-se lá saber como (penso que do Aeroporto), o maluco conhecia
bem, e com tinha imenso à-vontade e confiança. O que é que aquele sacana se
havia de lembrar? Foi ter com um – o Isascas, e disse-lhe que eu estava
interessado nele. Depois foi ter com outro – o Albino, e disse-lhe o mesmo.
Conclusão, os gajos no avião, não tiravam os olhos de mim, e eu todo lixado e
sem perceber nada, olhava para eles e pensava; mas porque é que estes
paneleiros do c****** estão sempre a olhar para mim? Conclusão; houve uma cena
de ciúmes entre os dois por minha causa, já que ambos afirmavam ser o meu
preferido. Porra, grande cabrão do maluco!
13 - O LUQUINHA
Já que entrámos no capítulo das confidências panascas, e depois da tua
aventura camiliana (eu e a bruxinha, ainda estamos a rir que nem uns perdidos),
vamos a isso.
Julgavas que eras só tu, não?
Em 1963, o Trio Harmonia estava no seu apogeu. Assim, convites não
faltavam, e um deles veio do Teatro S. Luiz, para irmos fazer o Carnaval. Do
programa, como cabeça de cartaz – Ivon Curi, e que na altura era acompanhado pelo seu pianista
L. V.
A apresentação estava a cargo do Artur Agostinho, e para dançar, naquele
fabuloso salão que o S. Luiz tinha, o conjunto de Mário Simões (de que fazia
parte um grande músico, guitarrista, xilofonista, teclista e sei lá que mais,
chamado Jaime Nascimento, e cuja filha a Mindinha, eu ainda namorisquei).
O Carnaval lá foi andando, até ao dia em que acabou, como diria Monsieur La
Palisse. Então para despedida, e como o Mário Simões explorava a boîte Bico
Dourado, ali na Rua da Misericórdia, lá fomos todos beber uns copos. Whisky pra
qui, whisky pra ali, e eu ia contando, um, dois, três, e o L.V. dizia: -
seu moço, isso não si conta, si bebe. E quatro, e cinco, e seis, e sete, e
oito, e eu… com uma cadela, que já não via nada à frente. Bom, saímos dali, e
resolvemos ir até à Cave, que era gerida pelo irmão do maestro Costa Pinto, que
dava também pelo mesmo nome, e tocava bateria no conjunto que lá estava.
Aqueles cabrões continuavam a beber, como se fosse água ou refresco, e eu a não
querer dar parte de fraco, digo: já estou farto de whisky, quero uma cerveja.
Lá vem uma cerveja, dinamarquesa ou alemã ou o caraças, que aquilo ali era tudo
para o finório, e eu zumba. Pois, a porra foi que a cervejinha, não se deu nada
bem com os whiskeys (eram de países diferentes), houve lá entre eles um
sarrabulho qualquer, e quem pagou fui eu. Começo a sentir-me mal, vou até à
casa de banho ver se tirava aquela merda das entranhas, mas está bem, está. É o
sai, nem com os dedos à boca aquilo saía, era ver as paredes a subir e a descer
a uma velocidade vertiginosa, e eu cada vez mais doente. Digo eu: - vou-me
embora, estou mal, quero ir para a cama. E diz o L.V. muito pressuroso:
- mas você vai assim para casa? O que sua mãe vai dizer? (eu ainda era
solteiro). Sei lá, quero lá saber, eu quero é ir para a cama. E ele:- não, você
não vai dar esse choque em sua mãe, você vem até o hotel onde eu estou,
descansa lá um pouco, e quando se sentir bem você vai. E lá fui eu até ao
hotel, que era ali perto da Cave. O gajo chega ao hotel e diz para o
rececionista:- este amigo não está se sentindo bem, e vem ficar no meu quarto a
descansar um pouco. E lá fomos nós. Chegados ao quarto, vejo uma cama de casal,
e eu desconfiado: ai, ai, ai, ai.
Deito-me vestido, e diz o gajo: melhor você si despir, vai ficar mais
confortável. E eu mesmo doente; queres ver este? Queres ver este?!
Lá me despi, mas desconfiado como o caraças, vai de chegar para a
pontinha de um dos lados da cama, e ele do outro lado diz para mim: - você se
chega mais pra dentro, ou ainda vai cair. E eu levanto-me, agarro na roupa e
nos sapatos e digo: - vou pra casa. E o gajo, sentado na borda da cama: - então
você vai embora, e vai deixar Luquinha sozinho?
Desci escada abaixo, a vestir as calças, e com os sapatos ainda na mão,
apanhei um táxi, que passava na altura. O que o rececionista e o taxista
pensaram, não sei, nem me interessa. O que eu sei, é que a bebedeira passou de
imediato. Ora o filho da puta L. Vieira, que era rabeta, e eu não me tinha
apercebido de nada.
Não te estejas a rir, que esta merda não teve graça nenhuma. Ainda por cima
eu contei tudo ao marreco e ao Zé, e os gajos passavam a vida a gozar: -
então você vai deixar aqui o Luquinha sozinho?
14 - O “ATÉ FECHE ECO” E O PAPA-RATOS
Escola Industrial Afonso Domingues, ano da
graça do Senhor de 1951. Um gajo da turma começa a chatear-me, eu passo-me e
prego-lhe uma estalada do caraças. O gajo que era lá de chima, diz com uma
grande calma: - foda-che, caté feche eco! Eu dou uma enorme gargalhada,
abraço-o… e ficámos amigos até cada qual seguir a sua vida.
Escola
Afonso Domingues, provavelmente o mesmo ano. Desta vez a ação decorre num
intervalo das aulas, debaixo da ponte do comboio de Xabregas. Eu vou a
conversar com um colega que tinha por alcunha – vá-se lá saber porquê –
Papa-Ratos, e digo muito naturalmente: - eh pá, ó papa-ratos…
Não tive tempo de dizer mais nada, o gajo
deixa cair a pasta no chão, agarra-me os braços contra a parede, e dá-me uma
tola no nariz que eu vi estrelas por todo o lado. Larga-me os braços, tipo
missão cumprida, já levaste que é para não me chamares nomes, e eu, que não
tinha entendido porque o gajo me dera a cabeçada, levanto o braço direito, puxo
a culatra atrás, e dou-lhe uma pera num olho com toda a força.
Vamos para a aula de desenho, cada
qual no seu estirador, ele com o olho à belenenses, e eu com o nariz que
parecia uma batata doce, todo inchado. A outra malta, olhava para um e para
outro, e claro, partia o coco. Conclusão; aula completamente indisciplinada, e
o professor para poder manter a disciplina só teve uma solução – pôr-nos aos
dois fora da aula.
Cá fora, os dois olhámos um para o outro,
vimos o resultado da nossa escaramuça, partimo-nos a rir e continuámos amigos,
como se nada se tivesse passado entre nós.
15 - O MATULÃO DO ESTORIL
Em
1963 (creio eu), estávamos a trabalhar no Casino Estoril. Uma noite, na
assistência, estavam duas gajas que não tiravam os olhos de nós. Quando
acabámos de tocar, elas vieram pedir-nos uma foto autografada. Lá lhes demos a
foto, mas as gajas continuavam a galar- nos e, digo então para o Zé Peralta:-
eh pá, as gajas querem festa, vamos ver o que isto vai dar. Primeiro, temos que
lhes perguntar se elas estão interessadas em sair connosco, e depois, temos de
nos desenfiar sem que o marreco se aperceba do que se está a passar, ou então o
gajo vai estragar tudo como é hábito. E assim foi, eu lá combinei com elas o
local de encontro, desenfiei-me por um lado e o Zé por outro, e lá fomos ter
com elas. O marreco, viemos depois a saber, desconfiado porque nos tinha visto
trocar sinais e sorrisinhos, andou por todo o lado à nossa procura, mas sem
resultado.
Bom, fomos ter com elas, e pata ti e pata
tá, e eu que já tinha combinado com o Zé atirar-me à boazona que me comia com
os olhos, começo em surdina a dar-lhe a volta. O Zé lá vai todo entusiasmado
com a dele, e eu vai de dizer para a minha, despede-te, diz que tens de te ir
embora. Ela assim faz, e eu todo “cavalheiro”,: - ah, mas eu não a vou deixar
ir sozinha a estas horas da noite. E ela; - é já aqui perto, não faz mal, não
vale a pena. E eu, que sabia, (porque ela me tinha contado que estava zangada
com o namorado, e que trabalhava em casa de uma senhora), a afiar a moca. Lá
fui andando, e sempre a preparar o terreno, se podia entrar com ela, ela dizia
que não, que a senhora podia ouvir, e eu, não ouve nada que a gente não faz
barulho, e ela com uma vontade maluca de brincadeira, tal como eu, ai mas a
patroa pode ouvir os teus passos, e eu, não ouve nada que eu descalço-me, e…
chegámos ao portão do jardim de uma bruta vivenda. Eu de moca afiada, vou para
entrar com ela, já não via nada à minha frente, que a gaja era uma boazona e
estava cheia de fominha, quando de repente ela para cima e diz muito
enfiada: - ah, está ali o meu namorado. Eu olho, e ao cimo da escada que dava acesso
à porta da mansão, estava um matulão que parecia o Primo Carnera.
A gaja não se desmancha, e diz com toda a
calma: ah estás aí? Fui ao Casino com a “não sei quantos”, e este senhor
do Harmonia, acompanhou-me para eu não vir sozinha a estas horas.
Despedimo-nos, ela lá subiu para ir ter com o troglodita, (que não tinha nada
que estar ali aquela hora), e eu pus-me andar dali para fora a pensar com os
meus botões; que grande vaca, olha do eu me safei.
Fui para a estação do comboio, a pensar; o
sacana do Zé é que se deve ter safo. Qual não é o meu espanto, chego à estação
e vejo o nosso amigo sentadinho no banco, `a espera do comboio. Conto-lhe a
minha aventura e pergunto:
- Então e tu safaste-te?
- Não, ela disse que tinha que se ir
embora.
- Porra, mas atacaste?
- Ela não estava interessada…
Grande parvalhão, com a timidez que o
caraterizava, nem sequer tinha tentado passar à ação.
Conclusão; nem sempre se pode ganhar. Mas
eu livrar-me de vir pelas escadas abaixo, já não foi mau.
16 - DUAS HISTÓRIAS DE PESCA
Dos meus tempos de pescador (ou julgavas
que eras só tu?). Estou no cais do Sodré à enguia, que como tu deves saber, é
um bicho sabido. Quando se sente anzolada, a filha da mãe entoca, ou seja,
enfia-se na perpendicular no lodo, dá um nó com a própria cauda, e para a tirar
de lá, é preciso muita paciência, manter a tensão na linha, não dar esticões
senão a gaja solta-se ou parte-se a linha, e ir lentamente enrolando.
Bom, eu estava com duas canas, uma ao perto e outra ao longe. Começo a puxar a
que estava ao longe, e que é isto? Queres ver que pesquei uma baleia? Era um
peso e uma resistência que eu estava maluco por ver o que tinha pescado. Enguia
não era, que este não era o comportamento das bichas. Mas também não dava sinal
nenhum, oferecia era uma resistência do caraças. E eu, vem aí uma carrada de lixo,
só pode ser. Tanto trabalho para nada, senão fosse cá por coisas cortava a
linha e pronto. Mas a curiosidade venceu, e eu quis ver o que tinha apanhado.
Quando eu apanho a linha cá fora, até fiquei de boca aberta. Então não é que eu
tinha apanhado uma solha pelo lombo? Possivelmente ao fazer o lançamento, o
anzol fisgou-a pelo meio do lombo, e claro, como vinha de lado, estás a
calcular a força que foi necessário para a tirar. Ganhei o dia, embora com uma
forma pouco ortodoxa de pescar.
Agora outra. Fui com um amigo pescar para o Guincho. Um tempo
horrível, mas o vício era muito. Começamos a pescar, e lá ia dando uns
peixitos. Começa a chover que Deus dava água, e começa a dar peixe em barda.
Digo eu: - eh pá, agora que isto está a dar não vamos embora. Ele concordou,
pois também estava entusiasmado, e o balde a encher de peixe. Acaba-se o isco e
digo eu:- porra, logo agora que isto estava a dar. Espera aí, vamos pescar com
amostra. Tiro a prata do maço de cigarros (na altura eu fumava) e começo a
iscar com a prata. E os doidos dos peixes a atirarem-se que só visto.
A água entrava pelo pescoço e descia pela sola dos pés, mas enquanto não
enchemos o balde não parámos.
Balde cheio, toca a andar para o carro (eu tinha um “ora bolas”) ligo a “chauffage” já que
estávamos encharcados e geladinhos, e faço-me à marginal. Passado um grande
bocado, começa a pôr-se nevoeiro. Devíamos vir ali para Paço de Arcos, e digo
eu: - eh pá não se vê nada, está um nevoeiro do caraças. E diz o
gajo: - são os vidros embaciados, abrem-se as janelas um bocadinho (chovia
intensamente) para desembaciar o para-brisas. E eu, desembaciar o caraças,
então eu levo o aquecimento apontado aos vidros e não desembacia porra nenhuma,
limpo com a mão e nada, isto é nevoeiro, pá. Diz o gajo: - não custa nada
experimentar. Ele abre um bocado do vidro, eu faço o mesmo, e como por
milagre o nevoeiro desaparece. Que grandes nabos. Com o calor dentro do
carro, os corpos tinham aquecido a tal ponto que as roupas ao secar, provocavam
um efeito de evaporação, que se condensava nos vidros. Era essa a razão do
“nevoeiro”. Há gajos “muita” parvos.
17 - O MARRECO E O TAXISTA
Em 1970 mais ou menos, o Trio estava a fazer uns espetáculos
organizados pelo Leonel Coelho, para turistas americanos, num restaurante em
Alfama.
O marreco tinha uma scooter, na qual se deslocava lá da aldeia de Paio
Pires, para Lisboa. Nós estávamos na altura, a trabalhar no restaurante
Folclore do mesmo L. Coelho, que se situava ali na R. da Trindade, onde fica a
cervejaria do mesmo nome. Após a nossa atuação no local, eu e o Zé António
apanhámos um táxi para Alfama, e o marreco lá foi na trotinete.
Ali para o Terreiro do Paço, vemos o marreco à nossa frente, e diz o maluco
para o taxista: - oh amigo, esse gajo que vai aí na motorizada, é o marreco que
toca com a gente, passe por ele e diga-lhe: - oh marreco, chega para lá essa
merda. O taxista à rasca, eh pá veja lá no que me mete, e o maluco, não há
azar, é só pró gozo. Baixamo-nos, e o táxi fica a parecer que não leva ninguém.
O taxista a rir com o engate, lá faz o que o maluco lhe tinha pedido, e o
marreco todo lixado, faz uns cornos para o fogareiro e acelera. Como é bom, de
ver o táxi vai-lhe na peugada, já que ia-mos todos para o mesmo sítio.
Quando estamos a chegar, o marreco pira-se por umas escadinhas abaixo com a
motorizada, e nós a rir à gargalhada dentro do táxi. Lá demos uma boa gorjeta
ao taxista, e fomos para dentro do camarim. Passado um bom bocado, entra o
marreco muito enfiado, e diz: - vocês nem sabem o que me aconteceu. Um cabrão
dum taxista, veio atrás de mim até aqui, e só me safei porque meti por umas
escadinhas abaixo e o gajo não me pôde seguir.
Mas que é que tu lhe fizeste? - Perguntámos nós muito ingenuamente. Nada,
diz ele; o gajo chamou-me marreco, eu fiz-lhe uns cornos, e ele veio atrás de
mim até aqui. Porra, dissemos nós, se o gajo te tem apanhado até era capaz de
te dar um tiro, que esses gajos andam armados, tiveste muita sorte.
Sorte não, diz ele, fui esperto. Meti-me por onde ele não me podia seguir,
e fui dar uma volta do caraças, para o gajo não saber para onde eu vinha.
Ainda hoje, o marreco não sabe que fomos nós que o tramámos. Realmente o que lhe valeu, foi ele ser esperto, LOL
18 - A VINGANÇA DO RIGOLETTO
O marreco morava na Aldeia de Paio Pires.
Duas vezes por semana o trio ensaiava, uma vez em minha casa, e outra em
casa dele. O ensaio era por volta das nove, e para irmos para lá, nós
apanhava-mos o barco para Cacilhas, e depois a carreira para Paio Pires City,
que saía ao quarto para as oito, salvo erro. Costumávamos encontrar-nos na
Cabrinha em Cacilhas, onde petiscávamos qualquer coisa e lá íamos nós. Só que
de vez em quando o maluco atrasava-se, e eu apanhava a camionete, que não
estava para gramar o mau feitio do marreco. O maluco chegava a Cacilhas, e
telefonava a dizer que tinha perdido a camionete, mas que ia apanhar a outra
que saia salvo erro às oito e vinte, mas que ia só até ao Seixal. Se ele podia
fazer o favorzinho de o ir buscar, etc.
O marreco ficava camurço, que é assim uma mistura de camelo e urso, mandava
vir, e jurava que um dia ele ia-se lixar.
E o dia chegou. Chovia que Deus dava água, o telefonemazinho da
praxe, eh pá desculpa, está a chover imenso, há muito transito, atrasei-me,
perdi a camioneta, se puderes fazer o favorzinho de me ires buscar...
E o marreco, diz para mim:- É hoje mesmo que ele se vai lixar.
Calça as galochas, põe os atafais como a gente chamava no gozo, ao fato de
oleado que o gajo vestia por cima da roupa, e sai porta fora.
O tempo vai passando, os gajos nunca mais apareciam, e eu começo a
pensar; queres ver que com a noite que está, tiveram algum desastre? Na altura
ainda não havia telemóveis, portanto restava aguardar.
Passado para aí meia hora ou mais, lá aparecem eles. O marreco foi despir
os atafais, e o maluco, desgraçado, a escorrer água por todo o lado.
Pergunto eu: - Então pá, o que é que aconteceu? E o maluco, enfiado,
cansado e encharcado, nem conseguia falar. Diz então o marreco com a maior das
“desfaçatezes”:
- A puta da motorizada afogou-se, e estava sempre a ir abaixo, e esse gajo
teve que empurrar. E eu cá para comigo; está bem está, tramaste o gajo como já
tinhas dito que ias fazer, só não sei como.
Queres então saber o que se passou? Eis a história que o marreco mais tarde
me contou:
- Aquele cabrão (o maluco), julga que eu tenho que o ir sempre buscar. Mas
lixei-o bem. Pus o gajo a empurrar a motorizada, e depois ainda tinha de correr
atrás dela, porque eu acelerava para não a deixar ir abaixo, e arrancava.
Digo eu: - mas o gajo disse-me que a motorizada, se foi abaixo uma data de
vezes, e que vocês mal andavam uma centena de metros, pumba, aquela merda
deixava de trabalhar!
E o gajo com ar matreiro: - Isso é porque eu ia à torneirinha de lado, e
cortava a gasolina.
Filho de p***do marreco. Logo numa noite de água como aquela.
19 - A BANANA E A PERA
Havia um agente artístico que nos arranjava imensos espetáculos.
Chamava-se e chama-se, pois julgo que ainda é vivo, A. F. e era senão o
maior, um dos maiores agentes artísticos em Portugal. Todos os grandes artistas
nacionais e internacionais, desejavam trabalhar com ele. Ele representava os
maiores nomes da cena nacional, e era ele que colocava os artistas no Casino
Estoril. Só tinha um defeito, era uma bicha do caraças.
O gajo tinha uma fixação no “je”, que nem queiram saber. Deu-me os
telefones todos dele, do escritório, da casa de Lisboa, da casa de Sintra, da
casa da Ericeira, enfim de todos os lados possíveis e imaginários, para a
qualquer momento eu poder entrar em contacto com ele (na altura ainda não havia
telelés). Então a conversa do gajo era sempre a mesma, eu ainda te hei-de
conquistar, tens que ir dormir comigo, e porque torna e porque deixa, etc.
aquelas paneleirices em que os gajos são mestres. Eu ria-me, dava-me à paródia,
e dizia para o gajo:- eh pá mas tu tens namorado. E o gajo: pois mas ele está
na tropa e está longe daqui. E eu pensava com os meus botões; estou feito com
este, será que eu tenho de me chatear? É que estes panilas não me largam, e eu
até nem gosto de mariquices. Bom, enquanto foi só bate boca, eu fui entrando na
brincadeira, mas a coisa esquentou mesmo, quando o gajo foi longe demais.
Estava o trio para atuar no Tivoli (creio eu), num espetáculo que o gajo
tinha arranjado, e enquanto aguardávamos a entrada em cena, lembro-me que
estava encostado a uma parede no primeiro balcão, a ver o que se
passava no palco, e o gajo ao pé de mim, bla, bla, bla. E eu lá lhe ia dando
troco, até que o gajo me apalpou a sarda. Aí saltou-me a tampa, e ainda puxei a
culatra atrás para lhe dar uma pera, mas lembrei-me de onde estava, e disse-lhe
baixinho: - não levas já uma pera nos cornos, porque estamos para entrar em
palco, e eu não quero barracas. Mas ficas já avisado, à próxima levas mesmo.
Podes continuar com as tuas tretas, mas se gostas de fruta; tocas na banana, e
levas pera.
Já não sei o que o gajo respondeu, mas o que eu sei, é que a partir daí, o
gajo nunca mais nos arranjou um espetáculo. O sacana do Zé António, para
engatar o marreco, estava sempre a dizer: - este gajo é que é o culpado, se
tivesse feito a vontade ao F. trabalho não nos faltava! Grande sacana.
20 - A CAMISOLA
O Trio Harmonia, estava nesse Dezembro de 1964, integrado no elenco artístico do dito restaurante que apresentava na mesma altura, a Embaixada Artística do Vietname do Sul, que para além da música e danças do seu país, trazia também a sua cozinha.
Mas, se o restaurante era um espaço bastante pequeno, imaginem o que seriam as instalações para os artistas (um exíguo espaço onde o elenco português e vietnamita se tinham de desenrascar).
O trio conseguiu instalar-se na despensa que ficava junto à cozinha, e assim fugir um pouco da confusão, de tanta gente em cima uns dos outros.
Ora um dia, o Peralta começou a gozar com o marreco, por causa de uma camisola interior que este trazia vestida: - eh pá, isso não é uma camisola com buracos, são uns buracos com camisola. Palavra puxa palavra, empurrão puxa agarrão e umas perazitas pelo meio.
A porta da despensa abre-se com os encontrões, berro daqui, berro dali, o Chico a tentar apartar os engalfinhados artistas, e os cozinheiros vietnamitas (que estavam mesmo ali ao nosso lado) pasmados com a cena. Bom, os ânimos lá serenaram até porque tínhamos de entrar em cena dentro de pouco tempo, mas os dois ainda ficaram a remoer.
Fomos para o palco, e quando começamos a tocar a Abertura do Guilherme Tell, o marreco com os nervos, entra em moto contínuo e não consegue sair da mesma frase. É então que o Peralta, resolve intervir, prosseguindo ele o solo na harmónica baixo, e abrindo assim caminho para o solista terminar o trecho. Mas não sem deixar de lhe dizer entre dentes: - então seu cabrãozinho, se não fosse eu, como era?
E o Chico fazendo um esforço maluco para conter o riso!
21 – O PRUMO DE TRÊS FIOS
Quando o Chico começou a trabalhar no Alfredo Alves, era um anjinho que vinha da Afonso para o meio de gajos bem mais velhos, e com uma experiencia de malandrice que nem vos conto.
Os aprendizes eram submetidos pois às partidas que os mais velhos lhes pregavam - os chamados “engates”.
Um dia, o oficial com quem o Chico estava a aprender diz muito sério: - Zatopek (nome de um famoso atleta checo, corredor de fundo, com que tinham batizado o Chico por este andar sempre a correr)) vai num instante ao ferramenteiro e pede – lhe o prumo de três fios.
O anjinho do Chico lá foi a correr como de costume, mas pensando pelo caminho “que merda será um prumo de três fios”.
Chegado ao ferramental diz para o ferramenteiro: (um malandro da Mouraria) – Sr. Mário, o Sr. Oliveira diz para mandar o prumo de 3 fios. E o Mário diz muito sério: - vai à civil (serralharia civil, o Chico era da mecânica) pergunta pelo João Escrófula que ele é que lá tem isso.
O Chico Zatopek lá foi a correr, e chegado à civil indicam-lhe o tal João, que sem se desmanchar diz ao Chico, que o prumo estava emprestado ao Franco da carpintaria.
Mau, mau, o Chico que já estava cansado de andar a correr de um lado para o outro, e muito desconfiado de andar à procura de uma coisa que nem sabia o que era, começa-lhe a cheirar a engate e pensa: eu já te digo, que se f*** o tal prumo. Vão gozar com outro menino, vou-me sentar aí num cantinho, e agora o Oliveira que venha à minha procura.
E assim foi, às duas por três o Chico começa a ouvir o Oliveira a berrar: - Zatopek, Zatopek, onde é que estás metido?
Muito sorrateiramente o Chico aparece e diz muito “ingenuamente”: - estou aqui Sr. Oliveira, estou farto de andar a correr de um lado para o outro, e ninguém tem o prumo de 3 fios. Já não sei onde hei-de ir mais.
E diz o Oliveira com uma cara muito séria: - deixa lá isso que já não faz falta, porra, uma tarde perdida e há tanto trabalho para fazer. És bom para ir buscar a morte
E o Chico a gozar interiormente que nem um perdido; pois que há muito trabalho também eu sei. Querias-me lixar, mas quem te lixou fui eu, que não fiz “nenhum” toda a tarde. Anjinho, mas sem asas, LOL
22 – DO CARVÃO ATÉ AO GIZ
Bom,
já que és meu aprendiz, vou começar com o teu trabalho de aprendizagem da
malandrice
23 – FOI ESTE TENHO A CERTEZA
- Estou
lixado, estes gajos vêm para me arriar, o que se terá passado? Eu nem os
conheço!
- Estou
feito, pensa o Chico, os gajos vão-me cercar e agora é que eu vou “enfardar”.
O Chico cumpriu serviço militar no RAC (Regimento de Artilharia de Costa). Ora esse Regimento tinha vários quarteis ao longo da costa portuguesa, e neles se incluíam as baterias da Raposeira, ali na Trafaria. Quis o destino que o Chico lá fosse parar, àquele que era considerado o pior de todos os quarteis desse Regimento. Não sei se a má fama seria proveniente de lá estar situado um presidio militar (Casa de Reclusão da Trafaria) ou se, como se afirmava, para lá eram enviados os chamados “correços ou corrécios” das diversas unidades do RAC. Que aquilo era uma “rebaldaria” era, e entre os “meninos” que lá estavam, havia realmente de tudo (e este de tudo era mesmo “de tudo”.
Ora
entre esses artistas mais “malandros”, destacavam-se dois – o 8 e o 27, qual
deles o mais malandreco. O 8 vinha da Mouraria, com toda a “escola” que esse bairro
lhe tinha ministrado, o 27 vendia lâminas para a barba e preservativos (olha a
Nacet pra barba, camisas, camisas) na rua Barros Queirós - que pertencia ao
mesmo bairro - nas barbas dos polícias que por ali andavam. Como não podia
deixar de ser, eram unha com carne, e defendiam-se um ao outro.
Quando
desaparecia alguma coisa, era certo e sabido que algum dos dois se não mesmo
ambos, era suspeito. Bom, feito este preâmbulo, vamos aos factos.
Uma noite o Chico vai para se deitar, e constata que uma das mantas da sua cama tinha “voado”. Pergunta a este, pergunta aquele, e ninguém tinha visto nada. Mau, mau, tenho que encontrar a minha manta, ou além de passar frio vou entrar em despesas.
O Chico consegue saber, que o 8 e o 27 tinham estado de guarda na Reclusão (que por estar junto ao mar era fria e húmida como o caraças) e claro, começa logo a ver o filme: – um daqueles sacanas, levou a minha manta!
No dia seguinte, logo pela manhã, o Chico põe-se à coca, à espera da patrulha que chegava do presídio para o quartel.
E
lá vinham os nossos “amigos”, com várias mantas aos ombros.
- A minha manta pá? Grita o Chico, dirigindo-se aos dois. E ambos fazendo-se parvos – eu não sei de nada, eu não tenho, estas foram-nos emprestadas. E o Chico: - já vi que isto a bem não vai lá. Com estes gajos só à porrada.
- Ok, não sei qual dos dois foi. Mas posso garantir-vos que logo à noite, se eu não tiver a minha manta na cama, tanto um como outro vão levar uma carga de porrada. Eu vou apanhar-vos fora do quartel, e uma vez um, depois o outro, preparem-se. Olhem que eu não brinco!
E
era mesmo verdade, o Chico desde pequeno que estava habituado às lutas de rua,
até entre bairros, assim não tinha medo de nada nem de ninguém. Quando era pra
porrada, estava preparado para dar e levar.
Qual deles fanara a manta o Chico? Isso pouco interessa.
À noite em vez de uma, estavam três mantas em cima da cama do Chico. Quem tem cú, tem medo…
25 – O JUSTO E O 28 SAPATEIRO
O Chico foi colocado no Forte de Almada, que era considerado em termos militares como um destacamento de ordem pública, a comandar uma das duas baterias de Costa que existiam nesse quartel.
Nessa
unidade, de grande disciplina – o lema inscrito na parede da porta de armas era
precisamente “homens de aço, em muralhas de granito”, e olhem que era mesmo
verdade, a disciplina era feroz, parecia que estávamos num quartel da Legião
Estrangeira – coexistiam ali quatro unidades; Regimento de Artilharia de Costa
que tinha a seu cargo as duas peças de artilharia de costa, o Regimento de
Artilharia Ligeira Nº 6 de Santarém com os obuses a seu cargo, Batalhão de
Metralhadoras Nº1 de Campolide (infantaria), bem como o Regimento de Infantaria
Nº13 de Vila Real (a “cassanhada”( os cassanhos ou bimbos) como nós os de
Lisboa os apelidávamos.
Como já referi, tratava-se de um destacamento
de ordem pública, com autoridade para avançar caso algo se passasse na zona
(policia não havia, apenas um pequeno contingente da GNR em Almada e um posto
da Guarda Fiscal em Cacilhas). As saídas do quartel eram feitas por conta, peso
e medida (o efetivo era apenas de 140 homens), e com muito custo se conseguia
um “toque de ordem” (entrada até à meia-noite) já que passaportes de
fim-de-semana eram raramente concedidos.
Havia pois que ser inventivo e arranjar formas de nos entretermos e distrairmos. E uma dessas formas, era o nosso amigo Justo que sendo pugilista amador federado (peso-médio do SLB), um tipo muito porreiro, e com um “cabedal” do caraças (um metro e oitenta e tal e oitenta quilos de músculo) sempre bem-disposto e bom amigo, tinha a arte de ser um bom contador de histórias, e entretinha-nos contando peripécias dos combates que tinha disputado, e fazia-nos demonstrações de combinações de golpes, ao mesmo tempo que nos ensinava os nomes dos mesmos: - isto é um direto, isto é um jab, isto é um uppercut e isto é swingar, e mais isto e mais aquilo. E a malta adorava o Justo e as suas histórias.
Mas o 28, que era o sapateiro do quartel, e também praticava box no Lisboa Club Rio de Janeiro, ali no coração do Bairro Alto, tinha a mania que ele era o maior. Assim, passava a vida a meter-se com tudo e todos, e gozava com o Justo quando este se punha a contar as ditas histórias. O Justo não achava muita graça e andava mortinho por lhe dar uma boa pera; só que o 28 era peso pluma e o Justo não o queria magoar.
Um
diz o Justo para o Chico: - Este cabrão do sapateiro é um gozão com a mania que
é malandro, mas já sei como lhe vou dar uma pera, sem que o gajo se possa ir
queixar.
O que se havia de lembrar o Justo? Conseguiu que o despenseiro lhe arranjasse uns pedaços de manta velhos, e uns pequenos montes de desperdício, tendo com eles fabricado dois pares de luvas.
Assim, combinado comigo e mais alguns amigos, começa a “fazer luvas” connosco para se manter em forma.
O 28 sempre a dar “bitas” mas saltar para o ringue “isso é que era bom”. E o Justo a insistir com o gajo: - eh pá calça lá as luvas, não tenhas medo pá.
-
Ná, ná, respondia o 28, tens um braço muito comprido!
-
Oh pá, mas eu não te toco. Só defendo, tu ataca à vontade que eu só defendo, ia
dizendo o Justo para levar o 28 à certa.
Tanto o Justo insistiu, que o 28 ao ver o Justo a treinar com a rapaziada e realmente só a defender, sem tocar em ninguém, entusiasmou-se, perdeu o receio, calçou as luvas e saltou para o ringue, que era apenas um espaço arranjado entre as nossas camas, empurradas para os lados da caserna.
E pumba, e pimba, o 28 a malhar no Justo, e este como prometido só a defender, e toma e apanha mais este, e o Justo lá ia aparando os golpes e incitando o sapateiro: - Boa! Bem metido, bom golpe, etc. E o 28 cada vez mais entusiasmado, com um jogo de pés do caraças, a bater e a esquivar-se, até que o Justo lhe larga um direto, que o faz levantar os pés do chão e ir aterrar numa das camas.
- Porra pra esta merda, acabou-se, já não faço mais luvas contigo, dizia o 28 enquanto descalçava as improvisadas luvas, tu disseste que só defendias. - Eh pá desculpa, dizia o Justo, entusiasmei-me, isso não volta a suceder. – Vai-te lixar dizia o outro, comigo não fazes mais luvas!
E quando o sapateiro saiu do improvisado ringue agarrado ao queixo e a carpir as mágoas, diz o Justo com um ar sacana e perdido de riso: - então o gajo levou ou não a pera que eu tinha prometido? Gargalhada geral.
26 – O SILVÉRIO E AS CERVEJAS
Havia um grupo de colegas com quem o Chico costumava ir pescar. Numa das vezes foram para a Praia de Santo Amaro e aquilo não estava a dar nada. Mas ao Chico pouco interessava se havia peixe ou não (claro que se houvesse tanto melhor), o importante era gozar bem o dia, em boa companhia, apanhar um bom solzinho, comer um bom farnel e beber umas bejecas.
Mas claro que nem todos pensavam assim, e havia principalmente um que levava aquilo mesmo a sério. O amigo Silvério, que se não estivesse a apanhar nada, entrava em paranoia. – Porra, nem um toque, o que é que estamos aqui a fazer, vamos mas é para outro lado, vale mais ir para o café ler o jornal e tomar a bica, e mais isto e mais aquilo.
A malta como já o topava, ria-se e não ligava. Até que ele não aguentando mais o nervoso miudinho, arrumava o material e ia mesmo para o café mais próximo, fazer horas para o almoço.
E nesse dia foi precisamente o que se passou. Peixe não havia para ninguém, e o amigo Silvério lá convenceu toda a gente a mudar-se de armas e bagagens, para a Boca do Inferno, já que aquilo ali não estava a dar nada.
Quando chegaram à Boca do Inferno, o amigo Silvério que ia com uma fezada enorme que ali é que ia encher o balde, faz uma proposta: - o último a tirar peixe vai pagar as cervejas à malta. OK, concordaram todos, vamos a isso.
A rapaziada mete as linhas à água, o tempo vai passando, peixe nem vê-lo, e o Silvério já a ferver. Até que um tira um peixe, e logo a seguir outro. E o Silvério começa a bufar, e entretanto um outro tira também peixe, e a seguir o Chico tira dois.
E nessa altura sem apanhar nada restavam apenas o Leal, que estava a pescar ao lado do Chico (eram muito amigos) e o Silvério que estava um bocado desviado deles, mas não tirava os olhos do Leal, já que um teria forçosamente de pagar as cervejolas.
E diz o Leal:- com a sorte que eu tenho, vou ser eu a pagar. E diz o Chico; - está calado pá. Tira a linha, mete isco novo e deixa o resto comigo. O Leal assim faz, e o Chico que entretanto tinha ido ao balde sacar um peixe, tira a sua linha e faz de conta que está a iscar, mas o que realmente está a fazer, é a colocar o peixe no anzol do Leal.
Seguidamente o Chico faz um lançamento longo, com a sua cana, para distrair o Silvério, e o Leal atira a linha dele com o peixe vivo, bem anzolado, para dentro do mar, e começa a enrolar o carreto, fazendo que tinha apanhado peixe, e que este estava a dar uma luta danada.
O Silvério quando viu o Leal apanhar peixe, até os olhos lhe saltaram fora. Furioso arruma o material, declara solenemente que para ele a pesca tinha terminado e zumba aí vai ele para o café.
Na hora das cervejas, o Silvério a pagar, e o Chico e o Leal a consolarem-no, embora interiormente perdidos de riso com a malandrice que lhe tinham feito: - eh pá, és um azarado do caraças, nem um peixinho tiraste.
- Tirar peixe, eu? Porra pá, nem um toque!
27 – O CAMPANILE EM CHELLES
Em 1995 o HARMONIA foi convidado para participar num Festival de Harmónicas em Chelles (arredores de Paris). Lá fomos até Paris, e o nosso saudoso amigo René Haboyan que era o organizador (e patrocinador) do festival, foi-nos buscar ao aeroporto para nos conduzir ao hotel onde iriamos ficar em Chelles – um acolhedor e familiar hotel da rede Campanile. Foram uns dias espetaculares, ali convivemos com os nossos amigos franceses, principalmente à hora das refeições, já que a maior parte do tempo foi passado nas visitas a Paris e claro, no dito festival.
Mas esta é apenas a introdução para mais umas histórias sobre o nosso amigo Zé António.
O “maluco” como nós, com mais de 60 anos de amizade e convívio carinhosamente o apelidamos, tem problemas a nível de estomago e intestinos, que levam a que tenha de ter cuidado com a alimentação. Mas isso ao que parece é só em Portugal, já que em França, posto perante uma patisserie francesa de fazer crescer água na boca e absolutamente à discrição, por muito que nós lhe chamássemos a atenção, comia desvairadamente como se o mundo fosse acabar naquele momento. E nós a “picá-lo” : – Pois, aqui é à borla e não está cá a Ana (a mulher dele) para te controlar. E ele: – não, não, isto não me faz mal, isto são só doces!
O maluco tem um medo incrível dos cães, agora pensem no espetáculo que foi, quando estando o nosso amigo no duche, e aproveitando o facto da porta do quarto estar aberta, um enorme cão preto ter entrado por ali adentro, indo visitar o nosso amigo que estava nuzinho e ensaboado. O homem desatou a berrar, e o cão assustou-se e fugiu. Se vocês o tivessem visto, branco como a cal, danado e a “mandar vir” por termos deixado a porta aberta.
E nós perdidos de riso.
Mas esta é a melhor. O Zé António tem um curso superior de língua francesa, tirado no Charles Lepierre. E embora ele seja um grande contador de histórias (e um aldrabilhas do caraças), é mesmo verdade ele ter esse curso, pois uma vez que estive em sua casa, ele mostrou-me o diploma.
Só
que, como anda sempre na lua, por vezes acontecem-lhe casos caricatos como este,
para nosso gáudio.
Campanile, hora de almoço, a empregada traz a lista para escolher-mos o prato. O maluco escolhe:- bifteck avec frites. E a empregada: - bien cuit, au point ou rosé? (bem passado, médio ou mal passado?). E o nosso amigo que só tinha “apanhado” o rosé: - non, non, pour moi c’est vin rouge! A gargalhada que eu dei ao ver a cara aparvalhada da empregada, que não estava a perceber nada, deve-se ter ouvido por todo o restaurante. E o que nós gozámos com ele a partir daí: - Queres bem ou mal passado? Ah, queres tinto, pronto Ok.
Realmente para quem tem um curso superior de língua francesa, escolher para comer, vinho tinto, não está mal!
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